Tuesday, July 22, 2008

Tormenta: As Aventuras e Desventuras de Rykaard Ackhenbury

Opa!

Agora que deixamos o centésimo post pra trás, vale uma comemoração de verdade não? E comemoração sem presente não tem a menor graça.

No dia primeiro de abril, entre várias brincadeiras, coloquei uma versão falsa de um preview do terceiro romance de Tormenta para download. Para recompensar quem caiu na palhaçada, adicionei no fim o primeiro capítulo de uma idéia que tive em 2004 ou 2005: uma história seriada ambientada em Arton.

Ainda não sei quando vou continuar o projeto, mas achei que valia a pena postar para todo mundo a primeira parte contida no falso preview e a segunda, até então inédita.

Com vocês, o jovem, impetuoso e nem sempre nobre, Rykaard Ackhenbury!


As Aventuras e Desventuras de Rykaard Ackenbury
Episódio 1


Meu nome é Rykaard Ackhenbury.

Tá. Sei que não é nada impressionante, mas nem todo mundo tem a sorte de merecer um apelido legal como “Ironfist”. Ou “Camaleão”, pelo menos.

Bem que eu podia começar minha história contando como escapei dos goblins de Uzzurthalikk, como enganei os caçadores de cabeças ou como vivi como um guaxinim durante dois anos.
Sobre meu tempo como pirata ou como membro do Protetorado do Reino (ou quase isso).

Mas não vou.

Ao invés disso, prefiro seguir o conselho de um bardo ex-amigo meu: “ao contar uma história, comece pelo início, passe pelo meio e quando chegar ao final, pare.”

E é assim que vou começar.

Pelo começo.

* * *

Sabe aquela pintura ali na parede? Sou eu. Lá na fazenda onde cresci - embora não muito - em Petrynia, bem perto de Altrim. Tudo o que meu pai fez durante a vida foi plantar milhos e criar ovelhas. Minha mãe costurava usando sobras de tecido. Uma vida bem simples e comum, como já deve ter dado para perceber.

Tá vendo aquele garoto do lado esquerdo? De cabelo ruivo espetado? É Dreevack Kevlet (e vocês achavam que o meu nome era ruim?). Meu melhor amigo. Pelo menos costumava ser.
A família dele era bem menos normal que a minha. Na verdade, Dreevack não tinha família, por assim dizer. Os pais tinham sumido há anos e largado o menino na porta da fazenda de uma tia gorda e fofoqueira que, por um acaso, era nossa vizinha.

O povo da região inventava versões diferentes sobre a história dos pais dele e boa parte era a própria tia quem contava. A mais popular delas dizia que a mãe dele era uma orc.

Os moleques mais velhos corriam atrás do coitado depois da escola fazendo “óinc, oinc, óinc” como porcos. Erguiam as espadas de madeira e batiam no traseiro do infeliz, pulando como se tivessem matado um orc de verdade. O engraçado é que ele nem ligava. Ou não tinha coragem de reagir, sei lá. Vai ver foi isso que a gente se deu bem.

Dreevack era feio, tomava banho de vez em nunca, tinha sido abandonado pelos pais sabe-se lá por qual motivo...mas não era um meio-orc. Seu azar foi ter caído de cara de uma macieira, quando tinha só 3 anos.

Uma clériga de Lena, ordenada fazia só alguns dias, estava de passagem e se ofereceu para “dar um jeito” no rosto do menino. Pena que o que a garota tinha de bondosa, tinha de incompetente. E a Deusa da Cura devia estar ocupada em alguma outra parte do Reinado naquele dia.
No fim até que deu certo. Mas o nariz do garoto ficou empinado. Bem empinado. Suinamente empinado.

A boca ficou torta. Os olhos ficaram meio vesgos e a cara inchou de um jeito estranho e nunca mais voltou ao normal.

Enfim, Dreevack ficou com cara de...er...orc. Um orc ruivo, rosado e cheio de sardas. Mas ainda assim um orc.

Para ser sincero, eu mesmo nunca dei a mínima. Queria muito poder dizer que era uma questão de bondade e caráter, que aprendi desde cedo que não se deve rejeitar aqueles que são diferentes de você e essa coisa toda. Mas não é verdade. Eu só não ligava.

Dreevack era divertido e engraçado de um jeito meio bobo. Isso me fazia parecer muito mais esperto. Além de tudo, ele não era só meu melhor amigo. Era meu único amigo.

Acabava que, sem nada para fazer, a gente brincava o dia inteiro. Eram horas e horas inventando histórias absurdas e enfrentando monstros de mentira em meio aos pomares e bosques da redondeza. Keebard, o velho marceneiro da vila, nos dava de vez em quando umas sobras toscas de madeira para que a gente construísse fortes de mentira no quintal. Aí passavamos a tarde inteira defendendo o lugar em nome do Reinado e do bondoso Imperador-Rei.

Quando meu pai voltava do trabalho na lavoura, atacávamos o coitado como se ele fosse um gigante das colinas pronto para devorar as tortas que a minha mãe tinha acabado de colocar na janela para esfriar. Reencenávamos mais de uma vez as grandes batalhas do glorioso Cyrandur Wallas, o maior herói de Arton (desde que você seja um pretyniense), e sonhávamos com o dia em que iríamos juntos à Arena de Valkaria assistir a uma das lutas de Loriane, a Estrela. Dreevack nunca usava seu próprio nome nessas brincadeiras. Ali ele era o grande Javali, o maior guerreiro do Reinado. Ou o segundo melhor, se considerarmos o bom e velho Cyrandur..


Uma vez, ele resolveu que devíamos ser piratas. Desenhou um mapa do tesouro completo e encheu sua tia para que fizesse um par de tapa-olhos e lenços com caveira. A mulher xingava o moleque o tempo todo, mas até que gostava dele e acabou fazendo. Pensando bem, talvez fosse mais por pena mesmo.

No fim das contas o “X” do mapa marcava um lugar nada importante a uns cinquenta passos da parte de trás dos estábulos de casa.

Pegamos as pás, nossas adagas falsas e partimos.

A caminhada, lógico, era curta. Mas o trajeto foi recheado com batalhas imaginárias contra kobolds e magos maléficos que insistiam, em vão, em atrapalhar nosso planos.

Finalmente chegamos ao lugar marcado. Fizemos nossa “dança da vitória” e nosso cumprimento secreto.

Dreevack ficou tão feliz que até se ofereceu para cavar. Sentei numa pedra ao lado, mordendo uma maçã, cutucando a terra solta com os pés sujos, observando e imaginando como seria encontrar um tesouro de verdade.

Uma garrafa com um gênio capaz de conceder desejos.

Um saco de moedas de ouro cunhadas por um rei esquecido. Os ossos de um monstro lendário...

Foi quando ouvi o baque seco da pá contra algo duro.

Algo sólido.

Algo de madeira.

Cavamos juntos e depressa...e encontramos uma arca velha. Era decorada com runas e adornos dourados. Na tampa, a cabeça de uma cabra de chifres longos e olhos de rubi olhava fixamente para nós dois.

Passamos quase uma hora tentando resolver o que diabos devíamos fazer. Eu preferia levar a urna para meu pai já que aquilo parecia o tipo de coisa de adultos. E pivetes não se metem com coisas de adultos. Todo mundo sabia disso. Menos Dreevack, é claro.

Ele queria abrir a coisa de qualquer jeito e tentou me convencer de todos os modos. Primeiro com argumentos, depois com subornos e, enfim, com ameaças.

Resolvi que não daria o braço a torcer. Não por teimosia nem bom senso, mas por covardia mesmo.

Foi aí que Dreevack se irritou, agarrou os chifres da cabeça de cabra e puxou para cima com toda a força.

E a tampa abriu.

* * *

As pessoas têm mania de jogar a culpa de tudo que acontece em alguma coisa, seja para fugir da própria responsabilidade ou para encontrar algum motivo mesmo no que existe de mais inexplicável.

Os deuses.

O destino.

O acaso.

Eu não. Acho isso uma grande bobagem.


Mas se tivesse que fazer o mesmo. Se um cara colocasse uma espada no meu pescoço e me obrigasse a culpar alguém por tudo o que aconteceu, digamos que...

Bem...a culpa foi toda de Dreevack.



As Aventuras e Desventuras de Rykaard Ackhenbury
Episódio 2


Onde foi mesmo que eu parei?

Ah, sim.

Havíamos desenterrado a arca e, aproveitando um de meus vários momentos de hesitação, meu amigo Dreevack tinha agarrado a droga dos chifres de cabra que adornavam a tampa e aberto a dita cuja contra a minha vontade.

Bem, não vi muita coisa depois disso.

Uma luz azul de tons verdes e meio amarelada começou a sair de dentro do negócio. Sabe o tipo de luz que só aparece quando alguém faz uma magia que ou não vai dar certo ou é muito, muito ruim? Pois é...era esse tipo.

E já que não dava para enxergar praticamente nada, fiz o que qualquer um faria: fechei meus olhos com força. Usando o tipo de sensatez que viria a me faltar pelo resto da vida, me encolhi com as mãos na cabeça e esperei nem um pouco ansioso - embora deva confessar uma certa sensação de curiosidade na forma de uma dor de estômago aguda e intermitente - que a qualquer momento um monstro de dois metros e meio saísse de dentro da arca e me devorasse.

Ok. Você vai dizer que um monstro desse tamanho nunca caberia dentro de uma arca pequena como aquela, certo? Até concordo. Se você não for daqui, lógico. Digo, aqui de Arton. Porque no mundo que EU conheço, onde alguém arranca um pedaço de um reino e transforma numa feirinha voadora só por causa de uma aposta e uma deusa anda pra lá e pra cá em trajes sumários transformando os outros em pudins de ameixa, qualquer coisa pode acontecer. Além do mais, eu só tinha dez anos.

Pois bem. Voltando ao assunto...

Do nada o brilho começou a aumentar absurdamente. O ar começou a esquentar. A brisa virou um vento maluco que levantava as folhas secas do chão, os galhos e tudo o mais que estivesse no caminho. Até terra entrou na minha boca aberta de espanto. Devo ter engolido uma formiga ou duas também.

Depois disso veio o som.

Um barulho estranho de instrumentos de cordas quebrados, sapos coaxando e velhas cantando em falsete embaixo de uma cachoeira de pé de moleque. Ou algo bem parecido com isso.

E então... tudo parou.

Abri os olhos aos poucos, ainda meio com medo. A arca continuava lá aberta. Um brilhozinho enjoado, fraco e nada convidativo saindo de dentro.

O vento tinha parado. Os sons estranhos também. Tudo estava como antes com exceção de uma coisa.

Dreevack havia sumido.

* * *

Antes que eu continue, uma pausa para reflexão.

Em Petrynia o povo adora aventuras. Histórias de heróis e monstros. Donzelas que largam a família para provar seu valor. Homens que desafiam a tudo e a todos partindo em busca de tesouros perdidos. Todas elas. Da mais sem graça até a mais épica e inesquecível. Deve ser a única parte do Reinado onde qualquer bardo fracassado se dá bem.

A maioria dos petrynienses sonha com essas coisas. Com o grande dia em que partirão de suas casas para se aventurar pelo Reinado, na esperança de marcar seus nomes na história do mundo.

Isso acontece muito provavelmente por causa de Cyrandur Wallas, o maior herói de Arton em todos os tempos e fundador de nosso reino. Muita coisa que acontece aqui rola por causa dele, na verdade.

Muito bem, eu disse a maioria. O que, para quem não entendeu, não quer dizer todo mundo.

Mesmo com toda essa herança aventuresca, existe uma pequena parte da população que se contenta sem muito esforço em viver uma vida pacata, sentada na varanda enchendo o bucho de bolo, fumando cachimbo e só ouvindo as histórias do pessoalzinho da outra parcela. Gente que não ia se sentir nem um pouco mal se passasse a vida inteira sem ver um ogro, um demônio ou uma guerreira gostosa empunhando uma espada dupla.

Tá. Esquece a parte da gostosa.

O fato é que eu sempre pertenci àquela minoria.

Ficar brincando de enfrentar trilhões de inimigos que não existem com um machado feito de madeira podre ou fazer de conta que viajava pelo plano de Ragnar matando hobgoblins, tudo bem. Fazer isso tudo de verdade? Nem a pau..

Meu sonho era um dia herdar a fazenda do meu pai, ter uma macieira no quintal, crescer como um grande comerciante e arranjar uma bela garota para ser mãe dos meu filhos. Só isso.

Assim, quando me vi sozinho na clareira, perto da arca, pensei bastante antes de chegar a qualquer conclusão.

No fundo, no fundo, tinha certeza que Dreevack tinha se escondido enquanto eu fechava os olhos e estava pronto, naquele exato momento, para me dar um susto daqueles.

Ou talvez tivesse ido embora. Quando eu voltasse para a fazenda, ia encontrar o maldito sentado na cerca, rindo enquanto enchia a boca dos biscoitos que minha mãe fazia.
Ou então...

Ou então Dreevack tinha sido engolido, sugado pela arca e ido parar em algum lugar terrível. Alguma dimensão assustadora, cheia de coisas terríveis que provavelmente machucavam, espetavam e mastigavam.


Ou de monstros de dois metros e meio que não cabiam em arcas daquele tamanho.

* * *

Quando você é adulto e fica com medo, é só fazer cara de mau e sentar a espada na cabeça de alguém que está tudo resolvido. Quado sé é criança, você tem vontade de correr para o colo da sua mãe e depois se esconder embaixo da cama por mais ou menos uns quinze anos. E era exatamente o que eu queria fazer naquela hora.

O problema é que Dreevack era meu amigo. Pior que isso...era meu melhor e único amigo. E se tem uma coisa que meu pai me ensinou é que não se deixa alguém assim em apuros.

Olhei para o baú aberto, a luz rodopiante refletindo em meu rosto e com o misto de coragem e medo que só um garoto de 10 anos é capaz de sentir, pulei para dentro.
Precisava salvá-lo e nada iria me deter.

* * *

Pelos deuses...

Como eu era imbecil!


Aguardo comentários.:)

Cheers!

T.

8 comments:

João Paulo Francisconi said...

Porra, Trevisan, tá do caralho, só achei que merecia uma revisão básica antes de postar. Tem alguns erros e tal.

Outro ponto é a linguagem do protagonista, ele parece um paulista artoniano...

Guilherme Avila a.k.a RODO said...

Pelos deuses, está ficando cada vez melhor... Estou bastante ancioso para o próximo episódio e to curtindo muito esse ponto de vista do garoto. É bem diferente do foco das histórias que estou acostumado. Manda ver, Careca!

João Paulo "Moreau do Bode" said...

A narrativa é muito legal, um pouco diferente do que estou acostumado.
E a história também é pra lá de diferente, dois pirralhos covardes (ou só um)se metende em muitas confusões na sessão da tarde! :D

Estou esperando o próximo capítulo.

Unknown said...

Eu falo pro Trevisan sobre esse negócio de usar termos contemporâneos na fantasia medieval, mas ele não me ouve...

(Modo piada interna off).

Dan Ramos said...

Sei lá, acho que alguns termos contemporâneos ficam legais transportados pra fantasia medieval, mas outros - ou o excesso deles - fica estranho.

Acho que só isso que me incomodou também no texto, mas de resto tá ficando bem legal, lembra Errol Flynn nas suas histórias pé-no-chão =D.

Abs!

|quando desocupados, leiam pensotopia.wordpress.com|

Danilo Martins said...

Eu conheço isso... e lembro como era divertido.

InsetoVermelho said...

Olá tudo bem Trevisan, é um prazer enorme tonar um leitor do seu blog. Estou ainda tendo muito o que aprender sobre tormenta. Não li os livros "Inimigo do mundo" e nem "O Crânio e o Corvo", falaram muito bem deles.

O que eu tenho a dizer sobre este texto é só um pequeno detalhe: o uso de termos conteporâneos. Como narrador cheguei até ficar meio incomodado de ver alguns termos.

Desculpe mas esta é a minha opinião. A idéia está muito legal. Espero que este livro saia a tempo de ler os outro dois. Até mais. Prazerão.

Marlon Teske said...

Eu gostei do uso dos modernismos no texto.

Acho que passa um pouco da personalidade do personagem, e Arton é um mundo meio fantasy-punk mesmo. Como o conto segue como um "Papo com o leitor", pra mim quanto mais informal melhor =)