Opa!
Já falei antes que escrever é um processo bizarro e complexo. Pois é.
Em 2003 comecei a escrever um conto e como muitas, mas muitas vezes mesmo, não terminei. O final já existia na minha cabeça, mas sabe-se lá por que diabos perdi a vontade de
contar a história dos dois personagens. Vai entender.
Ontem trombei com esse arquivo e com dois ou três parágrafos simples dei um fim à curta jornada de J e L.
É um conto bem simples e bem atípico se comparado ao estilo que vocês estão acostumados.
Anyway...espero que alguém goste!
J & L
L. morava na parte oeste da cidade. Tinha carta mas não tinha carro. Não dirigia desde os 18. Vivia numa casa de dois cômodos alugada de uma senhora dona de um orfanato. Pequena mas aconchegante. Humilde mas arrumada. Gravava suas músicas preferidas em fitas cassetes. Adorava música africana, mexicana e qualquer outro som que soasse tribal, minimalista e moderno. Comia pouco, mas regularmente. Sua idéia de prato ideal era uma tigela de leite cheia de cereais. Odiava ginástica. Achava antinatural. Seu único exercício era andar até o ponto de ônibus ou ao supermercado. Cuidava dos filhos de um casal classe média no outro lado da cidade.
Na segunda-feira J. acordou cedo. Terminou seus exercícios, tomou banho e foi trabalhar. Parou duas vezes no caminho. Uma para encher o tanque do carro.Outra para comprar jornal do outro lado da rua. Chegou no trabalho antes do horário. Organizou os últimos cases. Releu o briefing mais recente e passou três horas pensando em como faria para juntar as três imagens desconexas que seu cliente queria. Um jovem yuppie. Uma nave espacial. Uma ilha caribenha.
Na segunda-feira L. acordou atrasada. Tomou dois copos de chá. Comeu um pão com manteiga e saiu apressada. Pegou duas conduções. Uma perto de casa. Outra no centro da cidade. Chegou no trabalho a tempo de arrumar o café da manhã das crianças. Arrumou as camas. Varreu o quarto. E passou o resto da manhã passando as roupas dos dois. Primeiro as dele. Depois as dela.
Na quarta-feira J. saiu mais cedo do trabalho. Foi com os amigos ao pub. D. estava ficando noivo. Bebeu para comemorar. Duas cervejas. Depois um uísque. Por último tomou uma coca. Voltou sozinho. Olhou o banco do passageiro vazio e sentiu-se vazio. Dirigiu mais rápido do que de costume, cruzando sinais vermelhos e amarelos.
Na quarta-feira L. foi dispensada antes do almoço. Ia com a família e as crianças a um restaurante. O casal fazia aniversário de casamento. Comeu pouco. Mesmo assim os pratos continuavam chegando. Primeiro carnes. Depois massas. Por último um enorme bolo. Na volta, andou metade do caminho. Em casa, ao deitar-se, tentou ocupar todos os espaços da cama. Não conseguiu.
No sábado J. correu pelo parque e jogou futebol com um bando de garotos. À tarde comeu um cachorro-quente. Depois tomou uma cerveja. Quando o sol se pôs, alugou uma bicicleta e rodou por entre os casais de cabeça baixa. Quase atropelou um cachorro sem querer.
No sábado L. ficou em casa de pijamas. No colo, um enorme pote de sorvete de morango. Depois um copo de leite com chocolate. Sentiu-se gorda e flácida como um saco de banha. Na TV, viu Meg Ryan derreter-se por Tom Hanks até conseguir cair no sono.
Na segunda-feira J. acordou cedo. Terminou seus exercícios, tomou banho e foi trabalhar. Parou duas vezes no caminho. Uma para encher o tanque do carro.Outra para comprar jornal do outro lado da rua. Antes que atravessasse, um ônibus lhe acertou em cheio. Seu corpo voou e aterrisou arrastando no asfalto. Morreu ali mesmo, sem direito a último pedido.
Na segunda-feira L. acordou atrasada. Tomou dois copos de chá. Comeu um pão com manteiga e saiu apressada. Pegou duas conduções. Uma perto de casa. Outra no centro da cidade. Seu ônibus parou brusco no meio da rua. Bateu a cabeça no banco da frente e desceu da condução com a mão na testa, cheia de sangue.
Viu um corpo jogado no meio da rua e entrou ainda tonta, numa loja de discos. Comprou várias coletâneas dos Beatles e dos Rolling Stones. Depois foi sorrindo ao parque andar de bicicleta enquanto, sem nem saber porque, tentava imaginar um modo de juntar três imagens aparentemente desconexas: Um jovem yuppie. Uma nave espacial. E uma ilha caribenha.
11/08/03 a 14/02/07
Cheers!
T.
2 comments:
Muito bom! Eu tenho escrito muitos contos que não tem nada ver com RPG, mas ando desanimando porque, fora a internet, isso não sai publicado em lugar nenhum. Conhece alguma revista ou algo parecido que aceite contos?
Gostei do final Pixies.
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