Tuesday, March 31, 2009

Radiohead, em São Paulo (ou Como o Destino Tentou me Impedir de Assistir ao Melhor Show da Minha Vida, Mas Não Conseguiu)

Hey!

E finalmente aconteceu. Depois de anos sofrendo com a especulação dos jornalistas, angustiados com o famoso e recorrente "esse ano vem", os fãs brasileiros puderam presenciar uma apresentação ao vivo do Radiohead. Como não podia deixar de ser, eu, Breno Tamura, Igor e mais milhares de apreciadores da boa música, comparecemos ao show aqui de São Paulo, na Chácara do Jockey. O clímax de uma jornada pessoal que apesar de de não ser emocionante o suficiente para inspirar um blockbuster daqueles de arrecadar milhões em um único fim de semana, ao menos serviria fácil como roteiro de algum filmezinho mediano (mas divertido) de sessão da tarde.

O primeiro sinal de complicação surgiu na confirmação de que a banda realmente viria para o nosso país tropical, em meados de novembro/dezembro do ano passado: a venda dos ingressos não só seria antecipada em meses, como iria custar de 200 reales por cabeça (isso para caras tontos/honestos que, como eu, não têm carteirinha falsa de estudante).

Escravo dos altos e baixos da vida de freelancer, estava sem grana e já encarava a possibilidade de ficar de fora do evento quando dois amigos (Julia e Marcão) muito gentilmente se voluntariaram a me emprestar a exorbitante quantia. Por pouco não rodo logo na largada. O engraçado é que a ficha demorou a cair. Por um bom tempo tratei a ocasião como um acontecimento qualquer. Como se fosse algo do tipo, "mãe, tô indo lá na padoca ver um inglês doido que resolveu tocar violão na esquina".

Ingresso comprado, ingresso guardado na gaveta de meias e cuecas. Até me acostumei a dar uma olhadinha no dito cujo vez ou outra. Só para ter certeza que ainda estava lá.

Enfim, o tempo passou e o final de semana derradeiro chegou. Ansiedade no talo, combinei de me encontrar com o Igor na Avenida Paulista. Depois nos encontraríamos com mais alguns amigos e iriamos todos de jipe para o show. Esquema perfeito.

Separei a grana, escolhi uma música legal no mp3, peguei meu ingresso pensando "pelo menos por hoje, esse pedaço de plástico é a coisa mais valiosa que eu tenho" e sai em direção ao metrô. Quando cheguei na boca da bilheteria e coloquei a mão no bolso para pegar o dinheiro da passagem, dei falta da única coisa que não podia faltar: o ingresso, claro.

Refiz o caminho uma vez e nada. Voltei para casa e nada. Fiz o caminho mais uma vez e nada. Revirei o apartamento de ponta cabeça...e nada.

Liguei para o Igor e avisei que estava fora. Já tinha me conformado em ver o olho torto do Thom Yorke pela transmissão capenga e parcial do Multishow.

A salvação da pátria veio pelo telefone, aos 45 minutos do segundo tempo, duas horas antes do show. Uma amiga (a Tati, que a Karma Police lhe garanta uma vida boa e próspera) tinha desistido de ir ao show porque precisava entregar uma série de trabalhos no dia seguinte. Calhou que o ingresso dela caiu praticamente no meu colo, enquanto o que eu havia comprado continua perdido no limbo das canetas Bic, moedas, isqueiros e outros itens que se desmaterializam espontâneamente sabe-se lá como. Saldo total da bincadeira: 300 reais a menos na conta. Paciência.

Em primeiro lugar, a tal Chácara do Jockey é longe. Bem longe. De carro quebra-se um galho, mas os jovens deprovidos de carteira de motorista e grana para o táxi devem ter sofrido bastante para chegar em casa. Se bem que nesse caso específico, até os carros tinham suas desvantgens. Mas falo disso mais para a frente.

Nosso motorista, Marcão, resolveu sabiamente parar a uns quatro quarteirões do evento, na Avenida Francisco Morato. O dono do estacionamento era um senhor muito educado, que por acaso também era dono do "american bar" ao lado, cheio de mocinhas trabalhadeiras jogando sinuca enfiadas em seus jeans justos. Coisa fina.

Àquela altura o show do Los Hermanos já tinha rolado e acabado. Não sou da turma que odeia a banda. Até gosto bastante de algumas músicas, mas não fiz questão de chegar cedo para ver Marcelo Camelo e companhia. Na verdade, se fosse para ver algum dos caras, preferia ter visto o Amarante com seu Little Joy. O que realmente me surpreendeu foi a falta de repercussão da volta dos cariocas aos palcos. Me deu a impressão que ninguém viu ou que quem viu foi embora sem muito alarde, contente em pagar 100 ou 200 contos para não ouvir Ana Júlia.

Do incensado Kraftwerk ouvimos meia dúzia de blips enquanto procuravamos a entrada principal. Muita gente adora, muita gente cultua, mas o máximo que consigo sentir é respeito pelo papel que os caras têm na história da música eletrônica. E só. Som por som, não me agrada. Soa datado e bem chato para falar a real. E como show, pagar para ver quatro caras parados no palco que em certo ponto da apresentação dão lugar a quatro robôs/manequins que ficam parados no palco não me parece uma idéia assim tão legal. Até gostaria de ter visto um pedaço só para ver se mudava de opinião. Como não vi, permaneço na mesma.

Entramos na Chácara do Jockey faltando pouco mais de meia hora para o início da apresentação principal. Graças ao dub completamente fora de lugar que reverberava nos altos falantes, os trinta minutos se arrastaram lenta e doloramente, como uma centopéia paraplégica procurando um par de sapatos em uma sala escura. Quando as luzes se apagaram e os pings e pongs que serviram de introdução para 15 Steps pegaram a platéia desprevenida, a sensação não foi só de felicidade, mas de alívio também.



Alguns se arriscavam a cantar, mas muita gente desistia, incapaz de acompanhar os timbres de voz absurdos de Thom Yorke. As palmas fora do tempo, tradição do público brasileiro, também marcaram presença.

Tudo corria perfeitamente, mas o que todo mundo queria mesmo saber era quantas músicas de OK Computer, a banda iria tocar. E se ia rolar Creep - sucesso do primeiro álbum, Pablo Honey - como havia acontecido no Rio.

No fim, foram cinco do emblemático álbum de 1997: Karma Police, Climbing Up the Walls, Exit Music (For a Film), Paranoid Android e Lucky. The Bends, outro disco essencial, contou somente com Fake Plastic Trees, a famigerada "música do Carlinhos" (que para mim era "a música do cara do olho zoado no clipe do supermercado", quando ainda não conhecia a banda).

De Kid A, tivemos The National Anthem (com direito a trechos da transmissão de uma estação de rádio local sampleados na hora), Optimistic,Idioteque,True Love Waits e Everything In Its Right Place. Hail to the Thief e Amnesiac foram representados por duas cada, repectivamente: There There, The Gloaming, Pyramid Song e You and Whose Army. Como bônus, ainda rolou Talk Show Host, lado B que fez parte da trilha do filme Romeu+Julieta*. In Rainbows foi tocado na íntegra. O resultado foi um repertório que conseguiu a proeza de agradar todo mundo.

Dizer que o show foi legal é desmerecer a performance dos rapazes de Oxford. O palco, iluminado por tiras de leds pendurados no teto que piscavam de acordo com programações feitas especialmente para cada música, pulsava acompanhando a dança epiléticamente contorcionista do vocalista, arrancando palmas e sorrisos da platéia. Os telões no fundo do palco e nas laterais focalizavam cada integrante em close, e em You and Whose Army uma câmera no teto fechou nos olhos de Thom, distanciando-se enquanto o vocalista cantava e fazia caretas. Johnny e Colin Greenwood, Ed O'Brien e Phil Selway foram impecáveis, mesclando a fidelidade às versões dos álbuns com improvisos econômicos e certeiros.

A sintonia com a platéia elevou-se às alturas no fim de Paranoid Android: a banda já se preparava para engatar a próxima música quando Thom percebeu parte da platéia ainda entoando os versos finais do hit de OK Computer. O coro se espalhou e o vocalista pegou seu violão acompanhando a galera na base do improviso, fazendo a primeira voz. O público paulistano se rendia ao Radiohead e o Radiohead, por sua vez, se rendia ao público paulistano.



O segundo bis terminou com Everything In Its Right Place. O vocal sampleado ao vivo se sobrepondo em versos confusos enquanto a banda deixava o palco sob aplausos. Depois veio o silêncio, as sombras dos roadies pegando os instrumentos, arrumando sabe-se lá o que. Todo mundo em silêncio na escuridão da Chácara do Jockey.

Faltava o toque final. Faltava Creep.

"Adivinhem qual é essa?", perguntou Thom York, de volta, como se lesse a mente de cada um dos presentes.

Final grandioso para um show épico.



Depois de vinte e seis músicas e mais de duas horas em pé, dor nos joelhos, dor no pé e a vontade louca de chegar em casa na velocidade da luz.

Notamos que haviam saídas de emergência, mas nenhuma delas estava liberada para o público comum (a naõ ser deficientes, bêbados passando mal e espertinhos de plantão). Sem querer armar muita confusão, entramos na procissão de pessoas espremidas a caminho da saída.

O primeiro a se revoltar foi o Igor. Como a "fila" não andava, nosso apresentador de podcast preferido sugeriu que fizessemos pressão no povo que tomava conta da saída de emergência mais próxima, em busca de uma liberação. Fomos, mas nossos argumentos iniciais não surtiram muito efeito. Bêbados ainda mais revoltados começaram a se acumular exigindo passagem, pessoas irritadas começavam a se acumular e a sombra de uma rebelião estilo presídio/torcida de futebol passou a pairar no ar.

Quem salvou a pátria mesmo foi Fernando, amigo recifense que fazia parte da nossa trupe. Aproveitando uma calmaria momentânea, o rapaz puxou o aparente responsável pela organização do setor (visivelmente alcoolizado, diga-se de passagem) e explicou que se não conseguisse sair dali muito rápido, iria perder seu voo de volta para Recife. Mentira, claro, mas nessa hora vale (quase) tudo.

Comovido ou de saco cheio (a gente nunca vai saber) o cara nos indicou uma rota de fuga digna de Prison Break.


Com essa manobra fantástica, cortamos cerca de 60% do caminho e economizamos umas três ou quatro horas de nossas vidas, que foi mais ou menos o que as pessoas que seguiram o protocolo levaram para sair do local e conseguir tirar seus carros do (caro) estacionamento.

E não pegamos trânsito.

Perfect.

Cheers!

T.

*pouca gente lembra, mas Exit Music (For a Film) foi feita especialmente para os créditos deste mesmo filme, a pedido do diretor Baz Luhrmann. Apesar disso, a faixa não aparece em nenhum dos dois CDs de trilha sonora lançados na época.

1 comment:

Red_Spartan said...

Vixi... Acabou com o Scofield (ou algo assim)... Plano pefeito! ^^