Yay!
Sem enrolação. Aqui vai a segunda parte de "O Modo Como Às Vezes As Coisas Acontecem".
O Modo Como Às Vezes As Coisas Acontecem
Parte 2
Gente, como aquilo foi horrível! O Sr. D tinha atirado no B. J. e eu não podia fazer absolutamente nada. Fiquei petrificada igual umas daquelas bonecas bestas que não mudam de posição.
Tudo o que eu podia fazer era olhar para ele. E o jeito como ele olhava para mim. . . nessa hora eu tive MESMO certeza de que ele me amava de verdade. Nessa hora bateu um remorso. E se ele não estivesse namorando com a Sarah Derkins? E se eu estivesse enganada?
Juro que queria chegar perto dele para pedir desculpas, mas tinha medo que ele estivesse MESMO morto. E eu nunca tinha visto alguém morto DE VERDADE. Tinha visto o tio Lawrence, mas ele estava velho. E velhos não contam já que a gente sabe que eles vão morrer mais cedo ou mais tarde. Tinha medo de descobrir que nunca mais ia ter o B. J. do meu lado.
Pensando nisso tudo agora, acho que aquilo foi um milagre. Nunca contei isso para ninguém porque sei que ninguém vai acreditar. Nem mesmo a Susan ia me levar a sério. Sei disso.
Até para mim é difícil de entender às vezes. Só sei que depois do tiro o Sr. D andou até onde o B. J. tinha caído. Lembro que comecei a gritar porque podia ouvir o B. J. tentando falar e não conseguindo. Parecia que ele tinha alguma coisa entalada na garganta. Quando vi aquela mancha enorme na parede gritei mais ainda. Quase fiquei sem voz e juro que achei que meus pulmões iam estourar!
Então aconteceu a segunda coisa estranha do dia. Quando o Sr. D chegou bem perto do B. J. houve um brilho igualzinho ao flash daquelas máquinas fotográficas bem antigas, de quando ainda não existia filme colorido. E eu desmaiei.
Só me lembro depois de acordar no hospital com o B. J. do meu lado, sorrindo daquele jeito que só ele sabe! Ele olhou para mim e disse: "Tá tudo bem, amor!"
Fiquei tão feliz! Ele estava vivo e inteiro! Parecia até que não tinha acontecido nada (mas eu sei que tudo o que aconteceu foi verdade porque quando a gente foi ao apartamento a porta continuava quebrada e a mancha vermelha continuava lá).
E é aqui que entra a minha explicação. Pode parecer uma idéia maluca mas eu acho que faz sentido. Lá vai.
Eu acho que o Sr. D era um anjo. Igualzinho àqueles que aparecem naquelas pinturas antigas, com asa e tudo. Só que ele tava disfarçado de homem. Acho que o jeito que Deus encontrou de colocar os anjos entre nós sem que a gente perceba. É como o meu tio que era mágico e não contava o segredo dos seus truques de jeito nenhum. Acho que o Sr. D. foi mandado para juntar eu e o B. J. de novo. Para mostrar que a gente foi feito um para o outro e que nunca ia conseguir viver separado. Acho também que ele voltou para o céu, já que a gente nunca mais viu ele. Tentei contar tudo isso para a minha mãe e ela acha que eu posso estar certa. Ela lê muito sobre isso nas revistas.
Essa é a minha idéia. Eu e o B. J. nunca mais brigamos depois daquilo e ele mudou muito. Acho que foi uma daquelas coisas que "mudam a vida da gente para sempre", como diz a minha avó. E no caso dele, foi para bem melhor.
Ah! Quase ia esquecendo! A Sarah Derkins mudou para a Europa com a mãe dela!!! Isso quer dizer que eu posso esquecer qualquer perigo do B. J. se apaixonar por ela não é mesmo? Pode ser que o Sr. D. seja meu anjo da guarda e, não sei porque, as vezes penso que de algum modo ele ainda continua cuidando de mim. . .
Com uma ajuda dessas, quem sabe eu e o B. J. possamos ser felizes para sempre?
* * *
Que não me culpem os puritanos, por favor. Creio que a explanação sobre a conduta instintiva de cada criatura já deve ter sido o suficiente para que todos possam entender os meu atos. Não? Pois bem. . .
Pouco ou nada se sabe sobre as criaturas dos reinos inferiores e menos ainda se saberá no decorrer dos séculos. Há um consenso entretanto que nos rotula, tais criaturas, como seres de certa forma divinas. Pois não é o demonio uma criação divina já que foi concebido pelas mãos abençoadas do mesmo Deus que criou o homem?
E mesmo assim fomos amaldiçoados! Condenados por toda a eternidade. Não temos corpo e não conhecemos a matéria. Nossa existência é uma sombra negra como a escuridão e vaga como um vulto.
É só quando partilhamos da comunhão com o homem, quando maculamos o santuário da mais querida das criaturas, violando todas as leis sagradas a que somos submetidos, é que podemos sentir o gosto do que é realmente a verdadeira vida.
Tomei o corpo que ocupei nos últimos séculos de um jovem soldado da Segunda Grande Guerra. Tomar e usurpar são os verbos mais corretos, por assim dizer. É como expulsar o dono de uma casa, passar a habitá -la em seu lugar e jogar o antigo morador ao relento para que morra congelado. É assim que fazemos.
Ao fim da Guerra voltei à sua casa. Matei o que restara de sua família apenas por diversão e passei a viver uma vida de andarilho. Semeei o caos por onde passei, pois não há outra função para uma criatura como eu se não esta. O julgo da Besta é forte e sua marca dura por toda eternidade. E assim será para todo o sempre.
Conheci prostitutas, dançarinos, presidentes e mascates. Vi e causei dor, morte e destruição como jamais poderia ter imaginado ser possivel.
Depois de tantas décadas, entretanto, este corpo já não me apresentava mais novidades. A aparência pode ser mantida facilmente mas nada pode deter o avanço dos exércitos implacáveis do tempo. Assim, o corpo envelhecia internamente como uma fruta sendo comida por dentro. Com o tempo, não havia mais nada que ele pudesse me oferecer.
E então surgiu o jovem B. J.
Creio que não é necessário que eu me estenda em explicações didáticas quanto a este fato ou a mecanica do processo. É muito mais do que eu poderia ou gostaria de revelar. Fiz o que fiz e, como é de se esperar, não me arrependo nem um pouco. Muito pelo contrário, me delicio com o resultado. Mesmo que esperasse mais cinco décadas, jamais teria feito uma escolha tão acertada.
O corpo jovem de B. J. é sem dúvida maravilhoso. Pamela, a namorada do antigo proprietário deste receptáculo de almas, é uma garota doce e sensível. Sua paixão por mim transborda pelos poros e é quase palpável. Sua felicidade extrema me machuca, mas é uma dor agradável como a apreciada pelos sadomasoquistas. O que mais poderia eu querer depois de tanto tempo?Acho que vou gostar muito desta nova vida. Muito MESMO.
E quando chegar o momento e eu estiver realmente entediado, cansado de tudo. . . bem, basta seguir os INSTINTOS.
Sabe como é, velhos vícios são praticamente impossíveis de se largar. . .
* * *
Bem, a merda aconteceu. É tudo que eu posso dizer à respeito.
Depois que o homem -de -sobretudo -e -chapéu me deu a mão, uma grande luz cegou meus olhos. Quando consegui abri -los de novo já estava aqui. E não sei bem por que, mas não fiquei nenhum pouquinho surpreso quando percebi que não havia nenhum cara parecido com o Al Pacino . . .
Posso te dizer uma coisa com toda a segurança: o lugar não é de todo mal (hehehe. . . é um belo trocadilho). Tudo bem, às vezes a decoração é tão de mal gosto que parece tirada dos cenários do antigo seriado do Batman (aquele com Adam West e Burt Ward) e o clima não é dos mais estáveis. Às vezes chove torrencialmente, às vezes neva e às vezes o calor é insuportável. Mas você acaba se acostumando.
De certa forma chega ser engraçado ver todos esses caras esquisitos e essa porrada de personalidades passeando para lá e para cá como se fosse a coisa mais normal do mundo. Também não existe muita obrigação, não é necessário trabalhar ou fazer qualquer outra coisa. Sem obrigações, sem deveres e sem absolutamente NADA para fazer. Como eu disse, o lugar é até legal.
Desde que não se comece a pensar demais.
Desde que eu não pense em Pamela, em Paul, em como as coisas eram divertidas, em como eu passava de carro na frente da escola para impressionar as garotas do Colegial, em como eram boas as "Sessões Sexta -Feira 13", em como era gostoso comer Sucrilhos com suco de laranja assistindo filme. E que talvez eu nunca mais possa escutar um CD do Pearl Jam, ver um acústico do Nirvana e tocar guitarra de novo. . .
E é aí que está o grande problema deste lugar. É como um grande parque de diversões com os brinquedos mais maravilhosos que você jamais viu em toda a sua vida. Só que TODOS estão quebrados. Não há tortura ou castigos. Nada de fogo, tridentes e chifres. Apenas uma ociosidade doentia. Um tédio acima de proporções. Uma atmosfera de opressão quase sufocante. Às vezes sinto como se estivesse inteiramente engessado e sentisse coceiras no corpo todo. Pode acreditar, a sensação é bem mais terrível do que a de ser cozinhado num daqueles enormes caldeirões, como a gente vê nos desenhos animados.
É claro que nem tudo é tão ruim.
Conheci um nativo (o nome ele é impronunciável e até que dá para andar com ele na boa, desde que se abra mão de ligar para esse lance de aparência) que me explicou algumas coisas. Bem, nem tudo está perdido. . .
Não sei porque o tal Sr. D (Esse nome é fantástico, não? Que senso de humor doentio. . . ) foi justamente me escolher. Não sei como ele fez aquilo, mas estou prestes a conseguir descobrir. De certa forma não é muito difícil conseguir as coisas aqui depois que se entra "no esquema". Basta não se esquecer dos favores que prometeu e cumpri -los um a um mais tarde. Uns são fáceis, outros mais complicados e envolvem coisas que deixariam qualquer cristão de cabelo em pé. Por mim pouco me importo. Já perdi as esperanças de me encontrar com Al Pacino no andar de cima.
O certo é que eu vou voltar. Pode ter certeza. Talvez demore um pouco, talvez seja amanhã. Mas eu vou voltar.
Tudo o que quero é Pamela de volta. E um corpo. Qualquer um.
Só assim vou poder voltar a ser um garoto comum. Um adolescente qualquer, como dúzias que existem por aí. De cabelo comprido até o queixo, calça rasgada, camisa de flanela à moda de Seattle, tênis surrado. . . Do tipo que muito provavelmente pode ser confundido com seu filho.
E talvez nós sejamos MESMO parecidos. Parecidos DE VERDADE.
Tão parecidos que talvez você sequer pudesse notar a diferença. Deu para entender?
Pense nisso com carinho quando colocar a cabeça no travesseiro, e não se preocupe.
Eu vou estar por perto. . .
Cheers!
T.
8 comments:
Careca,,
Esse conto simplesmente mata a pau,,
abraços do leitor fiel,,
Jorge
mto bom o conto =D! espero que vc poste mais contos xD.
O final me deu arrepio. Juro.
Se o B.J. não fosse cabeludo esse conto poderia ser uma biografia do Careca?
E pensar que ninguem desconfiou dele esse tempo todo.
Cara, eu nunca comentei aqui, mas acompanho seu blog desde a época em que vc postava com uma frequência inexplicável. Foda demais esse conto. F-O-D-A! Eu, que quero ser escritor, coloco vc agora no posto de ídolo da minha fase 'semi-profissional' :)
Vc é o cara, e seria mais foda ainda se conseguisse abaixar o preço da DS. heauheuihuieha
Kra, sensacional, eu tmb não sou muito de comentar não, mas esse conto mato a paum muito bom mesmo
Adorei esse conto da primeira vez que eu li, publicado numa "Só Aventuras" (era uma Só Aventuras, não era? Engraçado que sempre tinha alguma coisa além de aventuras na revista) e ele mantém sua força. É, inclusive, um conto que influenciou muito a minha forma de escrever ^^
Puta. Que. Pariu.
Demorei pra ler[por que visualmente estava "grande demais" e eu só lembrava de olhar o blog depois da meia-noite, quando eu tinha que acordar 5:15 da madruga...] mas valeu a pena a espera *-*
Simplesmente Foda. "Sublime"[pra continuar a mania de trocadilhos infames xP]
E só mais uma coisa:
Puta. Que. Pariu.
!
Cyaz
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